quarta-feira, 27 de março de 2013

«A Noite Inteira Já Não Chega - Poesia 1983-2010», de Rosa Lobato de Faria

Editora: Guimarães
Ano de Publicação: 2013
Nº de Páginas: 290

Sob a égide dos oitenta anos do nascimento de Rosa Lobato de Faria (RLF) (1932-2010), foi organizado e reunido a poesia da escritora, compositora, guionista e actriz — agraciada com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, postumamente.
Numa primeira abordagem a esta obra, A Noite Inteira Já Não Chega - Poesia 1983-2010, ao que visualmente, olfativamente e tactilmente nos atrai quando, paulatinamente, percorremos as páginas, há uma palavra que descreve o objecto livro (a sua composição, a capa dura, a imagem e padrão escolhido para figura no frontispício, a cor dos separadores interiores, o tom lilás dos títulos (com certeza não foi uma cor escolhida arbitrariamente pelos designers gráficos), a qualidade do papel, etc.) em si: rigor.
Mas «entremos» e comecemos a descobrir o perfume que emana da poesia de RLF. Nos primeiros tomos do primeiro livro revisitado Os Deuses de Pedra (1983), encontramos um sujeito poético que exaspera delicadeza, ternura, sensualidade, carícia, num «corpo que limita [-a]».
Nos poemas seguintes começamos a preparar o olfacto para o odorante dos frutos (limão, laranja, amora, morango), das ervas aromáticas (de jasmim, funcho, hortelã), das plantas (açucenas, acácia, bungavília), e das cores infinitas.
Não tem como o leitor não se embriagar quando se depara com palavras dóceis e indeléveis, ou quando lê versos como estes: «De ti só quero o cheiro dos lilases / e a sedução das coisas que não dizes / De ti só quero os gestos que não fazes / e a tua voz de sombras e matizes» (p. 137).
Muitos outros desígnios poéticos nos oferece a autora de Vento Suão (2011) nesta edição, que conta com poemas que soam como canções, melodias que terminam calmamente, em silêncios — falantes.
Acerca do estilo, a poesia de RLF caracteriza-se pela dupla eficácia da sua linguagem, das suas palavras, que tendem a metaforizar momentos, estados de alma, sensações. A sua escrita está isenta de maquilhagens, máscaras, transformismos. Tudo é apresentado espontaneamente, com limpidez e simplicidade. A pontuação é apenas acentuada quando é extremamente necessária, sendo que virgulas, não fazem parte da poesia de RLF. Nos poemas eróticos o uso de metáforas, eufemismos, polissíndetos, etc., dão acento ao estilo e suavizam palavras mais grotescas.
Versos contendo até cinco substantivos, sem separação por vírgulas, são fáceis de se encontrar na obra desta autora das letras, das palavras, dos sentimentos: a vaga a lava o lume o sumo a vida (2º verso da 3ª estrofe de Os teus dedos galopam no meu dorso, p. 140); por naves aves ar voo distância (3º verso da 4ª estrofe de É para ti que escrevo. E não me engano, p. 182); Polén, aroma, voo, melodia (1º verso da 4ª estrofe de POÈME, p. 226).
Nesta antologia podemos também encontrar poemas inéditos, avulsamente coligidos de 1982 a 2010, como o que em seguida transcrevo, intitulado Um Dia Virá (p. 273), e que veste de apoteose o epílogo desta obra:

Um dia virá
em que a minha porta
permanecerá fechada
em que não atenderei o telefone
em que não perguntarei
se querem comer alguma coisa
em que não recomendarei
que levem os casacos
porque a noite se adivinha fresca.

Só nos meus versos poderão encontrar
a minha promessa de amor eterno.

Não chorem; eu não morri
apenas me embriaguei
de luz e de silêncio.

4 comentários:

Maria Manuel Magalhães disse...

Até a capa é lindíssima. Pena não conseguir encontrar nos sites da wook e da fnac. Por acaso não sabes onde poderei encontrar?

Miguel Pestana disse...

Julgo que o livro não está disponível ainda. Vou me informar e se souber algo eu te digo, Maria Manuel.

Miguel Pestana disse...

No início de Abril já estará à venda.

Maria Manuel Magalhães disse...

Obrigada Miguel, vou estar atenta :)