quarta-feira, 29 de junho de 2016

«Narciso e Goldmund», de Hermann Hesse

Editora: Dom Quixote
Data de publicação: 26/04/2016
N.º de páginas: 360

João Bouza da Costa é o autor da mais recente tradução para português de Narziss und Goldmund (em Portugal, a primeira edição deste título remonta a 1956), romance datado de 1930 que segundo o New York Times é o mais portentoso que o escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962) escreveu.
O romper da história que o Nobel de Literatura de 1946 delineou direcciona-nos para um convento situado num país da Europa Central, na época medieval. Lá, encontramos os protagonistas deste livro, cujos nomes dão título ao mesmo.
Narciso é um noviço que possui um alto nível de erudição, fruto das longas horas de estudo, e é poucos anos mais velho do que Goldmund, um jovem de dezoito anos que acaba de chegar ao convento, para, por veemência do seu pai, dedicar a vida a Deus para expiar os pecados da sua mãe, que o abandonara em criança.
Entre estes dois seres com ideais diferentes — Narciso era um pensador, um analítico, um observador experiente na «leitura de almas», e enclausurava-se num mundo onde reinava a anedonia; Goldmund era um sonhador regido pela emoção, sensibilidade e prazer, um hedonista inveterado —, mestre e discípulo, nasce uma inesperada relacção de companheirismo e amizade.
Com o despertar da vida adulta, irrompe em Goldmund profundas inquietações existenciais, de carácter sexual e, sem ele se dar conta, maternal.
Após uma estada curta no convento, o jovem em fase de descobertas é encorajado pelo seu mentor e amigo a ir correr mundo, pois seguir a vida monacal seria um equívoco crasso para ele.
Na hora da despedida, as palavras de Narciso para Goldmund: «a nossa amizade não tem outro objectivo nem outro sentido que não seja mostrar-te até que ponto somos absolutamente diferentes um do outro».
Sozinho, Goldmund inicia um caminho (figurado e literal) que lhe permite conhecer até ao âmago os prazeres e as agruras da vida vadia. Dias, semanas, meses e anos passam, e nessa transitoriedade de tempo ele conhece de perto a solidão, a liberdade e o amor errante e infiel. «Matei, roubei, forniquei, deixei-me levar pela vida fácil e comi o pão dos outros», revela-nos.
Não é necessário ler muitas páginas de Narciso e Goldmund para o leitor perceber que está diante de uma obra ímpar da literatura. A narrativa está dividida, de forma tácita, em três partes: a primeira decorre no convento e é neste lugar que o leitor conhece os personagens centrais; a segunda parte é a busca de um sentido, a demanda espiritual de Goldmund; por último, a maturidade plena, o reencontro de si mesmo após estar perdido nos labirintos da existência.
Está bem presente neste livro a filosofia de Carl Jung sobre a psicanálise, nomeadamente a existência de arquétipos, sendo o da Grande Mãe o que mais se evidencia neste romance: as representações e sonhos com a mãe, as mulheres com quem Goldmund se relacionou («esses sonhos, em que a mãe, a madona e a amante se confundiam»), a sua relacção ambígua com a igreja, etc.
Narciso e Goldmund, um livro para ler e reler.


Excerto
«Talvez o medo da morte fosse a raiz de toda a arte (…) e até mesmo de todo o espírito. Tememo-la, estremecemos perante a transitoriedade de tudo, com pesar assistimos ao murchar das flores e ao cair das folhas, sentindo no próprio coração a certeza de que também nós somos efémeros e em breve murcharemos.» (p. 177)

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