terça-feira, 26 de junho de 2012

Azul-Corvo, de Adriana Lisboa

Editora: Quetzal
Ano de Publicação: 2012
Nº de Páginas: 240

Na mitologia, os corvos são associados geralmente como portadores de maus presságios, devido à sua plumagem negra e hábitos necrófagos – ao contrário dos quetzais, por exemplo. A protagonista e narradora de Azul-Corvo é uma espécie de ave que, ao encontro do seu eu, da sua origem, “voa” para lugares distantes, para assim entender o porquê de, uma pré-adolescente, ela própria, ter já no seu passaporte de vida, vários locais e pessoas, que ela desconhece, ou não se lembra existirem.
O enredo deste romance, o mais recente da brasileira Adriana Lisboa, ganhadora do Prémio Saramago em 2003, passa-se no Brasil e nos Estados Unidos da América, mais precisamente no estado do Colorado (onde a escritora reside actualmente). Vanja é órfã e embora tenha nascido no Novo México, sente no seu âmago que “a sua praia” é em Copacabana, cidade para a qual veio viver aos 2 anos de idade com a sua mãe. 
Suzana nunca contou a Vanja nada sobre o seu pai, e sabendo-se doente e em fase terminal, decide oferecer à filha algumas lembranças sobre o seu passado biológico. Numa idade crítica, aos 13, Vanja não é mais criança, nem adulta ainda, e a sua visão do mundo é “imberbe”, sem-noção dos flagelos e da ferocidade das pessoas, das coisas-humanas que derrubam e é nesse meio-termo de condição humana, que decide deixar para trás esse “lugar desconhecido”. Vanja parte em busca de raízes, de pessoas, de explicações – porque e citando-a na voz da narradora (já com os seus 22 anos): «A minha vida ia seguir em frente, porque eu mandava nela, e não ela em mim.» (p. 61)
E a primeira decisão que toma é mudar-se para o país que a viu nascer. Com a ajuda de Fernando, ex-marido de Suzana, Vanja começa uma nova vida. Novos desafios instalam-se: uma língua diferente, um clima inóspito, uma cultura antípoda à do Brasil, novas regras. Fernando tem 50 e Vanja 13. Carlos tem 9 anos e é o seu novo amigo, que um dia promete não sair de perto dela. Assim nasce uma amizade improvável entre estes três personagens centrais deste romance. A história é mais um tributo à amizade que, quando é verdadeira, não escolhe idades, sexo, idioma, barreiras.
Além destas personagens, todas as outras envolvidas no enredo são despretensiosas (no sentido de não serem glamorosas) e nota-se em todas elas a vontade de mudar, seja de cidade, de país ou de vida.
O sub-tema, não-ficcionista, que a escritora trouxe a esta história foi o da Guerrilha do Araguaia, um acontecimento triste da história recente do Brasil.
Ao longo do livro a narradora cambia de idade, ora tem 13, ora 22. O resultado deste jogo de idades, é levar o leitor a não perder o gosto de saborear um requintado final.
A escrita de Adriana Lisboa neste romance é simples, sendo ambiguamente criativa e complexa, e por vezes de uma alta precisão poética. A delicadeza com que balança cada frase, cada reminiscência das vidas das personagens é notória. Marrom, maiô, picolé, xampú, ônibus, faxina, são alguns brasileirismos agradáveis de se ler, que nos levam a imaginar estarmos, o leitor, a ler enquanto bebemos um gole de água-de-coco, em pleno calçadão, em Copacabana. 
A citação de Heitor Ferraz na abertura do romance, afirmando que «somos todos estrangeiros, nesta cidade, neste corpo que acorda.», não é em vão. Assim, Azul-Corvo oscila entre o tempo, o que corre e o percorrido, entre a vida, a que vem e a que vai, entre o futuro, que se fez passado e presente. Azul-Corvo é tudo isso. Esplendoroso. Refinado. Subtil. E será muito mais.

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