quinta-feira, 23 de março de 2017

«O Eterno Marido», de Fiódor Dostoiévski

Editora: Presença
Data de publicação (4.ª edição): Junho 2016
N.º de páginas: 168
O ponto de partida da presente narrativa que Dostoiévski viu publicada em 1870, ambientada em São Petersburgo, é o reencontro entre dois amigos, volvidos quase dez anos. Em O Eterno Marido, Dostoiévski explora a fundo as consequências trágicas que uma traição pode deixar perpetuadas.
Veltchanínov tem perto de quarenta anos, e até há pouco tempo era um homem alegre, de bem com a vida. Assim que a hipocondria começou a fazer parte do seu quotidiano, ele torna-se uma pessoa ociosa, triste e misantrópica (abandona os amigos e conhecidos). Embora não sinta orgulho da sua solidão, depende dela, em boa percentagem porque esta concede o tempo suficiente para ele lutar com os demónios que lhe atormentam e pesam a consciência. É durante as intermináveis noites brancas que Veltchanínov tem sonhos febris e deambula entre dois mundos; um deles submerso há nove anos.
Com a chegada de Pávlovitch, um antigo amigo e marido de uma sua ex-amante, uma mulher «passional, cruel e sensual», as emoções que despertam neste homem entram definitivamente em choque. Este ex-amigo, um homem alcoólatra e instável psicologicamente, acaba de ficar viúvo e com uma filha de oito anos por continuar a criar; uma filha com muita debilidade física, que sabe que não é sua. Para Veltchanínov, Lisa, a sua filha, será agora a sua finalidade de vida, o que faltava para a sua tristeza cessar, para dar paz à sua consciência pesada. Mas algo trágico acontece. E a desgraça satura-lhe de novo a alma de dor.
Este é um romance curto mas povoado por personagens psicologicamente densas envoltas numa trama onde os diálogos são bem construídos e inteligentes. A história começa in medias res, uma técnica literária que Dostoiévski é mestre em tecer, criando pouco a pouco suspense no leitor, assim que os detalhes sobre o passado adúltero do protagonista são revelados.
Ciúme, humilhação, raiva, vingança, arrependimento, auto-punição, abnegação, de tudo isto fala O Eterno Marido, que é tido como um dos trabalhos mais refinados do autor russo, que a tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra soube tão bem captar.
Tirando uma contradição na história, sobre o sentimento que o protagonista nutria pela amante, apresentada em duas partes do livro («(…) uma rapariga [Natália] (…) de quem nem sequer gostara, a ponto de se envergonhar das suas relações com ela…» (p. 12); «Gostava dessa mulher… e era amante dela… O amor e a relação entre os dois dominavam-no com tanta força que se tornou quase escravo de Natália…» (p. 36)), esta obra revela-se uma leitura muito estimulante.

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