domingo, 28 de maio de 2017

Entrevista a Diogo Telles Correia

Diogo Telles Correia é psiquiatra, psicoterapeuta, professor universitário e escritor.
Depois de publicar várias obras direccionadas especificamente para os profissionais de saúde, lançou em finais de 2015 Eu Existo - Para além das obsessões. para além das vozes. para além da depressão. para além da ansiedade, o seu primeiro título sobre saúde mental, escrito de forma a alcançar o grande público.
Em Julho do seguinte ano foi dado à estampa um outro livro na senda do anterior, intitulado A Vida Num Degrau. Ambas estas publicações tiveram boa receptividade junto do leitor comum, visto que é escasso encontrar nas livrarias títulos sobre saúde mental escritos para um público amplo.
Ainda não fez um mês que chegou às livrarias Pensar. Viver. Sentir., o seu mais recente título, mas já está a caminho da 3.ª edição. Este livro-entrevista chancelado pela Bertrand Editora, escrito juntamente com a jornalista Judite Sousa, é actualmente o livro de não-ficção que mais vende em Portugal — está no top da wook, bertrand e fnac.
Neste livro, Judite Sousa através das suas mais de 100 perguntas oportunas e incisivas sobre os temas mais importantes da doença mental, obtém deste profissional de saúde explicações rigorosamente fundamentadas, fruto dos seus extensos anos de estudo, investigação e experiência clínica. Para o leitor que tenha interesse em conhecer os bastidores que impulsionam as feridas que não são palpáveis, que não se veem, Pensar. Viver. Sentir. é o livro indicado.
Para Diogo Telles Correia «o sofrimento psíquico é talvez o mais profundo de toda a medicina» e este «ajuda a reformular a nossa existência.» A verdade é que quem ultrapassa uma perturbação mental nunca sai dela incólume: a sua resiliência, a sua capacidade de se pôr no lugar do outro e de o amparar fica, inequivocalmente, fortalecida.
Esta é uma entrevista a ser lida por todos os que têm curiosidade em compreender um pouco os contornos do funcionamento da mente humana.
Texto: Miguel Pestana | Fotos: DR
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Porque é que o “ir ao psiquiatra” é ainda alvo de estigma por parte das pessoas?
Eu penso que ir ao psiquiatra em Portugal começa a ser cada vez mais comum. O estigma de "ir ao psiquiatra" já deixou de existir na maioria dos países civilizados, no nosso país, sobretudo nas grandes cidades, acho que já quase não existe. Nos meios mais pequenos ainda há algum receio de ir ou de ser conotado como "alguém que vai ao psiquiatra". Tenho vários pacientes que vão ao meu consultório e são de longe, como do norte do país ou das ilhas, e que dizem preferir sair do meio onde vivem para ir ao psiquiatra, porque têm medo que alguém comente...
Até ao século XIX, os psiquiatras ocupavam-se sobretudo dos "alienados", nome que se dava aos que padeciam de doença mental grave. Os psiquiatras tomavam o nome de alienistas.
No entanto a partir do século XX, começa a generalizar-se o interesse, no seio da psiquiatria pelas doenças menos graves, as "neuroses". Aquelas em que os pacientes mantinham completa crítica, mas que perturbavam a sua qualidade de vida, os fazia sofrer e impedia de funcionar. Foi assim que se desenvolveram as perturbações de ansiedade, depressivas (menos graves, pois a melancolia grave já era foco de atenção dos alienistas), e o tratamento para estas situações. Começou por se desenvolver o tratamento psicoterapeutico com a psicanálise a tomar a dianteira no inicio do século XX, e depois a psicoterapia cognitivo-comportamental, e outros tipos. Os psiquiatras, com a psicanálise começaram a sair dos "manicómios", e começaram a ter consultórios privados onde tratavam as "doenças menos graves" (as neuroses). Mais tarde, depois dos anos 50, com o desenvolvimento dos psicofármacos, o seu uso foi generalizado também às doenças psiquiátricas mais leves, em que os pacientes eram pessoas muito diferenciadas, ocupando muitas vezes lugares de relevo na sociedade.
Assim, nos dias que correm os psiquiatras tratam com fármacos e terapia todo o tipo de perturbações mentais desde as mais graves às menos graves. Infelizmente nalguns meios mais rurais, mantém-se a imagem do alienista, que só trata de "malucos"...

São dados do Infarmed: em 2016, os portugueses consumiram mais de 18 milhões de embalagens de ansiolíticos, antidepressivos e agentes sedativo-hipnóticos. Há alguma razão social ou económica ou outra para Portugal ser dos países europeus que mais comercializa estes fármacos?
Há também números de que a depressão e a ansiedade são muitíssimo prevalentes em portugal. A prevalência da depressão ronda os 8% e das perturbações de ansiedade chega aos 16,5%, números altíssimos.
Várias são as razões possíveis para esse enorme consumo de psicofármacos. Penso que dever-se-ia investigar com profundidade este fenómeno. No entanto várias questões surgem:
- Será que as perturbações depressivas e ansiosas estão a ser sobrediagnosticadas? - Será que os psicofármacos são sempre prescritos, da melhor forma, por especialistas como os psiquiatras que realmente sabem manejar estes medicamentos? - Será que estes medicamentos são vendidos nas farmácias sem receita médica?....
Por outro lado é importante perceber-se que os medicamentos que se enquadram no grupo dos psicofármacos, também são usados para outras patologias que não sejam apenas as doenças psiquiátricas, por exemplo os antidepressivos no tratamento da dor neuropática, e das dores de cabeça persistentes.

Actualmente, qual é a doença mental que prevalece em Portugal?
De acordo com os numeros oficiais as perturbações que mais afectam os portugueses são as perturbações de ansiedade (entre as quais se encontra a perturbação de ansiedade generalizada, por exemplo) que atinge uma prevalência de 16,5% e a depressão com prevalência de 8%.

Numa perturbação mental, o que é mais fácil de tratar: o sintoma ou a causa? Os sintomas amenizam-se com medicação. Só com tratamento psicoterapêutico é que pode-se vislumbrar e trabalhar a causa. É assim?
A causa em psiquiatria é multifactorial. Os factores que determinam a doença mental são ambientais (factores indutores de stress actuais e da nossa infância) e biológicos (genéticos, químicos). É de uma interacção muito complexa (e ainda desconhecida) que surge a doença mental. Existe a ideia de que a psicoterapia trata a causa. A psicoterapia pode actuar na forma como nós gerimos os factores indutores de stress, e pode mesmo ajudar a eliminar sintomas. Mas a psicoterapia não elimina as tendências biológicas que nós podemos ter para desenvolver determinado tipo de patologia, e muitas vezes não consegue sequer eliminar os efeitos a longo prazo que os factores de stress induziram no nosso sistema nervoso. Sim, porque para tornar as coisas ainda mais complexas, as situações de stress do dia a dia, podem interferir com o funcionamento dos nossos neurónios, e nalguns casos podem provocar alterações permanentes... A psicoterapia não consegue eliminar estas alterações.
E assim a medicação é que consegue interferir na componente biológica da doença mental.
Eu diria desta forma que quer a medicação quer a psicoterapia ajudam a amenizar e aliviar os sintomas da doença mental muito eficazmente, mas não eliminam a causa, até porque a causa da maioria das doenças mentais permanece, e a meu ver permanecerá por muito tempo, ou para sempre, inalcançável. Para se compreender a causa da doença mental ter-se-á de perceber muito bem como é a interacção entre o nosso cérebro e o que se passa fora de nós, entre o neurónio e o mundo, e das emoções que nascem desta interacção.

A relação paciente-psiquiatra/psicoterapeuta se for bem estabelecida, é meio caminho andado para o sucesso de uma terapia?
Sim. A empatia que se cria entre paciente-terapeuta é fundamental a meu ver para o sucesso de uma psicoterapia. Não é fácil chegar aos pacientes. Muito menos se houver factores que podem ter a ver com o proprio terapeuta ou com o paciente que bloqueiam este caminho entre os dois.
No entanto, um psicoterapeuta experiente pode encontrar formas de empatizar com o paciente. Na minha formação em psicoterapia falámos várias vezes deste assunto. Nós podemos não empatizar com grande parte das características de alguns dos nossos pacientes, mas se persistirmos acabamos por encontrar aspectos com os quais nos identificamos.
Eu vou mais longe e penso que criarmos âncoras relacionais, não é apenas importante para uma psicoterapia mas para qualquer relação médico-paciente. Mesmo nos casos em que não há psicoterapia, tudo funciona melhor se a relação medico-doente for alimentada e tida em conta, sobretudo numa área como a nossa, a psiquiatria. 

Que feedback tem tido dos leitores sobre o seu mais recente livro, Pensar. Sentir. Viver., que chegou às livrarias no dia 5 deste mês?
Eu e a Judite tinhamos o objectivo de fazer um livro que divulgasse de forma apelativa e assessivel uma informação rigorosa sobre a saude e a doença mental.
Esperavamos alcançar um público superior àquele que a maioria dos livros desta área alcançam, devido à escassa apelatividade da maioria deles, e à dificuldade em que a maioria dos leitores tem em comprar livros pelo conteúdo e não pela capa, chama-se a isto adiar a recompensa. Algo que deve ser ensinado logo às crianças, fazê-las perceber que nem sempre os invólucros mais apelativos são os que criam melhor satisfação final...
No entanto acho que a nossa dupla: a Judite, com um mediatismo grande, com uma situação de vida muito complexa com a qual os leitores empatizam, e eu um académico com vários livros e artigos científicos publicados, com credibilidade na área, foi a chave do sucesso que já esta alcançar níveis muito além do que esperavamos. O livro vai para a terceira edição (reimpressão), e mantêm-se nos tops das principais livrarias.
Tenho feedbacks muito positivos de pessoas de todos os níveis sociais e culturais.
Fico muito feliz, mais do que pelo sucesso do livro, pelo sucesso desta nossa iniciativa de fazer chegar de forma apelativa mas muito, muito rigorosa, tudo o que se sabe sobre a saúde e a doença mental hoje em dia.

No livro, em resposta a uma das questões de Judite Sousa, o Doutor faz uma crítica à forma simplista como o tema da saúde mental é abordado nos meios de comunicação, como a televisão e os livros de autoajuda. A leitura de alguns livros deste género — e são inúmeros os novos títulos que todos os meses chegam às livrarias — pode agravar o estado psíquico de quem procura amenizar um mal-estar?
Vivem-se duas grandes formas de encarar a doença mental hoje em dia. A primeira é não falar dela. É uma atitude fácil, esconder que sofremos ou que temos pessoas que sofrem psiquicamente na nossa família. Condiz com a superficialidade da sociedade de consumo que vivemos...
A outra forma é tornar o padecer mental, presa fácil de todas as panaceias que se vão desenvolvendo numa sociedade onde há dificuldades em lidar com os assuntos complexos. A saúde e a doença mental são questões complexas. Devem ser abordadas por pessoas com muita formação e experiência. Os psiquiatras estudam 6 anos de medicina, mais um ano de internato geral mais 5 anos de especialidade. Se quiserem ser psicoterapeutas têm de frequentar pós graduações de 3 anos e formações complementares que podem ser intermináveis... Um psicólogo estuda 5 anos de formação básica e se quiser ser psicoterapeuta tem de frequentar as mesmas pós graduaçoes de 3 anos e formações complementares...
Qualquer passo dado em falso com um paciente pode ser catastrófico....
E nós vemos múltiplas pessoas que não têm a formação necessária, e alguns escandalosamente nem formação têm... a brincar com a saúde mental dos pacientes. A experimentarem com eles processos que não estão devidamente testados...
Muitos livros de autoajuda seguem esta orientação. São escritos por pessoas que não têm a devida formação nesta área... e tratam assuntos tão complexos de forma leviana.
Tenho vários pacientes que passaram por vários anos de leituras e frequência de terapias alternativas que não têm qualquer credibilidade em termos da sua eficácia e que chegam num estado de degradação psíquica e social (muitas vezes já perderam os seus trabalhos ou estão de baixa há meses, anos) que podia ter sido evitado se tivessem procurado pessoas com formação e experiência.
Os pacientes com doença mental, pelo seu estado de vulnerabilidade, são presas fáceis para estas iniciativas que, na maioria dos casos, não são mais que experiências comerciais...

Em A Vida Num Degrau (Pactor, 2016), o Doutor Diogo partilha com os leitores quatro casos clínicos de pacientes que lutaram e superaram a depressão. De forma geral, a depressão surge em que circunstâncias?
Há varias formas de classificar a depressão. Como todas as doenças mentais esta, é causada por um conjunto diverso de factores. Factores biológicos (genéticos, químicos), e ambientais (factores indutores de stress do ambiente em que vivemos).
No livro A Vida Num Degrau optámos por apresentar alguns casos de depressão reactiva, ou seja em que são predominantes os factores ambientais, em que a depressão se desenvolve sobretudo como uma reacção aos factores de stress do dia a dia (problemas conjugais, laborais, morte de ente querido...).
Por outro lado foram também apresentados casos de depressão em que a componente biológica parece a mais determinante. Um caso de um rapaz que sempre se sentiu deprimido desde criança, e que vai assim esboçando uma depressão crónica, não dependente dos acontecimentos de vida que vão ocorrendo; e o de uma depressão que ocorre num paciente com perturbação bipolar em que vão alternando períodos de grande euforia com períodos de depressão grave.

Como se aprende a travar pensamentos negativos?
Os pensamentos negativos podem surgir quer nas perturbações de ansiedade quer nas perturbações depressivas.
Eles têm tendência a minorar-se com os tratamentos. Estes podem ser farmacológicos. Há medicamentos muito eficazes a travar os pensamentos de medo e mais obsessivos nos ansiosos e os pensamentos catastróficos nos deprimidos.
A psicoterapia cognitiva comportamental também ensina métodos para reduzir estes pensamentos, que dependem do tipo de situação em que ocorrem.
Podem ir desde exercícios de paragem de pensamento nos pensamentos obsessivos, pensamentos alternativos aos pensamentos catastróficos da ansiedade até à restruturação cognitiva do pensamento (tentar "desmontar" os pensamentos menos úteis e distorcidos pela perturbação e substituí-los por outros mais adequados)

Quando uma pessoa está passando por uma depressão ou por outro transtorno mental, é comum os amigos e familiares evitarem ou mesmo se distanciarem dela. O que temem, afinal?
Perante alguém que está a passar por uma perturbação mental, nunca se deve dizer que é algo que depende da "força de vontade", que "depende de ti", "tenta não pensar negativo e isso passa".
Infelizmente estas frases não são apenas ditas por pessoas que povoam a nossa vida, mas são também veiculadas de forma encaputada por alguns livros de autoajuda e algumas "terapias alternativas". É dada a ideia de que as doenças mentais são simples e que passam com uns exercícios de meditação, relaxamento ou umas reflecções em grupo em retiros... As pessoas entusiasmam-se e de tal forma se empenham que acabam por sentir algum alívio sintomático nos primeiros tempos. Mas as perturbações acabam por se perpetuar... No outro dia recebi uma paciente que estava de baixa há 2 anos, por uma depressão com sintomas ansiosos muito graves. Ela frequentava umas aulas de ioga em que pela sua descrição tinha lugar uma "pseudo psicoterapia", passou também por uma clínica onde praticavam um tipo de terapias alternativas não creditadas pelas sociedades científicas. Todos estes locais incitavam a paciente a não procurar ajuda tradicional com um médico psiquiatra ou um psicoterapeuta reconhecido cientificamente. O que aconteceu foi que dado o período prolongado de baixa, e o afastamento da sua vida social, a paciente tinha penhorado a sua vida completamente... Chegou a esta conclusão e decidiu procurar-me... Disse me que concluiu que o que a mantinha nos outros tratamentos era sentir que tinha lá "um ombro amigo"... e que isso lhe dava "algum conforto"... Ora isto não é tratar uma doença mental. E a meu ver todas estas intervenções deviam ser investigadas porque estão de facto a fazer mal às pessoas.
A sociedade hiperboliza e distorce os efeitos das medicações psiquiátricas (que manejadas de forma cautelosa e por profissionais especializados, não acarretam problemas significativos) e das psicoterapias tradicionais cientificamente testadas, e favorece estas formas superficiais e não científicas de abordar a doença mental que não só não tratam como prepetuam a doença mental.

São nestas fases vulneráveis que podemos conhecer verdadeiramente quem são os nossos amigos?
Existe uma dificuldade grande em se abordarem temas desagradáveis na sociedade de hoje em dia. Nomeadamente temas que nos façam parar para reflectir no sentido das nossas vidas. Numa depressão os pacientes são obrigados a parar. Reestruturam a sua vida e os seus objectivos. O sofrimento psíquico ajuda a reformular a nossa existência.
No mundo que corre a um ritmo alucinante, as pessoas têm medo de parar... porque parar para ouvir uma pessoa deprimida, com as suas dúvidas existenciais significa poder parar para também reflectir sobre as suas próprias dúvidas... e possivelmente deprimir de seguida também...
Existe uma dificuldade global para lidar com a profundidade, e com sentimentos profundos como é o sofrimento psíquico.
Claro que os nossos verdadeiros amigos, a nossa família mais chegada, não se importam de vencer esse medo e sentem-se obrigados para se sentar ao nosso lado e perceber o que se passa connosco, mesmo que isso seja incómodo para eles, os obrigue a parar...

Depois de uma pessoa superar uma depressão, ela, inequivocalmente, amadurece e torna-se uma pessoa mais empática, mais atenta ao sofrimento dos outros. Porquê?
"O sofrimento é um trampolim para a maturidade", é uma frase que eu cito no livro Pensar.Sentir. Viver
A depressão ou outra perturbação psiquiátrica, obriga-nos a parar, a por muitas questões em causa, a reflectir sobre os nossos objectivos de vida e sobre os caminhos da sociedade actual. Aproxima-nos também de uma maior gama de emoções, que somos obrigados a sentir...
Obrigatoriamente ficamos mais sensíveis, mais atentos e mas empáticos. Compreendemos melhor o mundo e o outro.

Qual é o primeiro aspecto que costuma trabalhar com os seus pacientes, quando visualiza nos seus rostos desesperança?
A avaliação do psiquiatra começa com a entrada do paciente no consultório. Classicamente o biotipo (forma corporal, mais longilínea, baixa estatura, etc.) pode dar algumas informações em relação ao tipo de problema psíquico que as pessoas têm. Por exemplo doenças como a esquizofrenia costumam ser mais frequentes em pessoas longilíneas.
Mas em geral o que eu tenho mais atenção é em relação à forma como a pessoa está arranjada (uma pessoa deprimida geralmente deixa de ter tanto esmero na sua apresentação), as pessoas com traços obsessivos de personalidade por outro lado costumam estar impecavelmente arranjadas com uma simetria perfeita no seu vestir, e um aprumo invulgar, as pessoas ansiosas tem um estilo muito inquieto de se mover, de falar, por vezes tremem, as pessoas que experimentam fases de euforia apresentam se geralmente muito exuberantes na forma de falar e de vestir.
Relativamente à expressão, os doentes deprimidos costumam ter uma expressão mais fechadas, testa franzida, olhos dirigidos para baixo, os ansiosos expressão de preocupação e tensão permantentes. Alguns pacientes podem ser desconfiados e agressivos na forma de se expressar e movimentar, o que acontece nomeadamente nas crises psicóticas dos esquizofrénicos ou por vezes nas crises de mania dos doentes bipolares. Claro que o rosto com o qual é mais fácil empatizar é o rosto de desesperança, de vulnerabilidade dos pacientes com depressão. Nasce em nós psiquiatras e terapeutas uma necessidade imperativa de tomar conta e de terminar com aquele sofrimento.

Um paciente é muito mais do que um diagnóstico. Esta é a premissa do livro que publicou em 2015. Quão importante é para um psiquiatra conhecer a pessoa antes de efectuar o diagnóstico?
Os diagnósticos e as classificações em psiquiatria são algo de essencial para nós técnicos nos orientarmos em relação aos tratamentos a seguir. Mas apenas servem para isso.
Antes e depois do diagnóstico é importante percebermos a personalidade do paciente, como e onde se movimenta. Quais os seus factores protectores e agressores na sua vida. Que objectivos de vida tem, qual a sua postura existencial. Isso determina qualquer tipo de abordagem.
No livro Eu Existo - Para além das obsessões. para além das vozes. para além da depressão. para além da ansiedade, fala-se disso, do paciente que existe para além do seu diagnóstico…

Nesse livro, o leitor pode encontrar de forma romanceada, três histórias baseadas em casos reais de pacientes com vidas extraordinariamente imersas numa complexa teia de factores protetores e agressores, e que foi preciso compreender para proceder a um tratamento correcto.
É uma forma apaixonante de um leitor que possa nunca ter tido contacto com pacientes que são seguidos em consultas de terapia e psicoterapia e de perceber que as vidas deles são iguais a de qualquer um de nós. Que não são aliens, que são em grande parte dos casos pessoas muito inteligentes, acima da média, e com vidas riquíssimas.

É possível curar a ansiedade apenas com ajuda farmacológica?
A realidade é que, de acordo com a minha experiência, os casos de ansiedade grave não podem ser tratados sem ajuda farmacológica. Na maioria dos casos urtiliza-se medicação por períodos. Há medicamentos muito bem tolerados, sem efeitos secundários relevantes e que não provocam dependentes. É o caso dos SSRI (inibidores selectivos da recaptação de serotonina). Há vários medicamentos deste grupo e nem todos são eficazes no tratamento da ansiedade, tem de ser um psiquiatra experiente a precrevê-los…
Há outros tratamentos, nomeadamente a psicoterapia congitiva-comportamental, que podem ser muito úteis nestes casos. Os exercícios de relaxamento podem também ser importantes. O desporto pode ser muito eficaz, muitas vezes o mais útil é um deporto que canse, que gaste energia.

É possível em todos os casos clínicos descobrir a causa que está a despoletar determinado sofrimento psíquico? A perturbação de ansiedade generalizada é um desses casos?
Não. Embora a doença mental seja fruto de uma interacção do nosso biológico com os acontecimentos de vida, nem sempre os sintomas aparecem em reacçao a uma situação de vida localizável. A minha experiência diz que quer na ansiedade quer na depressão, embora nas primeiras fases da doença os episódios possam ser reactivos a situações de stress, à medida que a pessoa vai envelhecendo com a doença, os sintomas ansiosos ou depressivos podem passar a persistir de forma autónoma…

O que distingue as perturbações do humor das perturbações da ansiedade?
Nas perturbações de humor o que é mais relevante são as alterações de humor: depressão ou euforia. Na ansiedade o mais importante é a componente psicológica da ansiedade (medo permenente e sem objecto específico) e física (manifestações físicas da ansiedade como, palpitações, tremores, enjoos, suores, etc.).

A falta de sentido na vida pode ser tida como uma das causas da depressão e da ansiedade?
Muitos autores chamam a atenção para o facto de que que é o vazio existencial que pode ser causa de grande parte das depressões. Existe um vazio existencial generalizado nos dias que correm. No livro Pensar.Sentir.Viver, é debatida esta questão. Nos dias que correm existe uma velocidade frenética imposta no homem, que deixa de poder parar para reorientar os seus objectivos. É importante parar. Nós, psiquiatras e terapeutas, ajudamos a parar os nossos pacientes e a restruturar os seus objectivos existenciais. Qual o peso dos factores genéticos na génese das perturbações mentais? Só quem lida com doenças mentais graves é que compreende o peso dos factores biológicos (nomeadamente genéticos) na doença mental. Há de facto pacientes que desde muito jovens que expressam sintomas de depressão ou ansiedade por exemplo, e que já os seus pais os tinham.
No livro A Vida Num Degrau, falamos de um jovem que nunca se lembra de ter vivido sem a sua depressão…
Depois temos as doenças mentais graves como a esquizofrenia ou a perturbação bipolar em que é indiscutível a componente biológica e a necessidade de intervir de forma a regula-la, através da medicação.

Na sua opinião, qual é a situação mais grave do foro psiquiátrico?
A meu ver as duas situações mais graves de doença mental, são os casos em que tal é o sofrimento psíquico que a pessoa pensa em pôr termo à vida, e aqueles em que os pacientes correm, devido aos seus comportamentos riscos de vida, e não têm noção que estão doentes.
No primeiro caso, de depressao com ideação suicida, se não actuarmos rápido (tratamento que envolve na maioria dos casos medicação e psicoterapia), podemos perder o paciente. Muitas vidas podiam ser poupadas se estes pacientes chegassem atempadamente ao psiquiatra .
No segundo caso, que corresponde geralmente à psicose (situação em que a pessoa perde completamente a noção da realidade), que pode acontecer na esquizofrenia e na perturbação bipolar por exemplo, se nós não actuarmos (sempre com medicação, nestes casos), situações catastróficas de auto ou hetero agressão (violência contra eles próprios ou outros) podem ocorrer com vidas que se perdem.

A terapia electroconvulsiva (choques eléctricos) continua a ser o método mais eficaz nesses casos?
A terapia electroconvulsiva (ECT) é util em casos muito especiais, como depressões muito graves (nomeadamente as que ocorrem na perturbação bipolar alternando com fases de euforia). Há um caso destes descrito no livro A Vida Num Degrau. Os pacientes entram em mutismo deixam de falar, de se alimentar, são situações fatais…
Nos casos de esquizofrenia resistente, por exemplo, pode também ser eficaz. No entanto, não é um tratamento de primeira linha…

O Prof. Doutor lecciona Psiquiatria, Psicopatologia e Psiquiatria Forense em duas Faculdades em Lisboa. Ministrar esta última cadeira tem sido uma experiência nova para si, certo? Como tem corrido?
Eu lecciono psiquiatria desde antes de terminar a especialidade. Depois de fazer o doutoramento sou Professor desta cadeira na Faculdade Medicina de Lisboa. Fiz a agregação há quase 2 anos. Lecciono nesta faculdade também Introdução à saúde mental e História da medicina.
A experiência com psiquiatria forense integrada na disciplina de Psiquiatria forense e medicina legal na Faculdade de Direito, tem sido muito interessante. O tema para mim é dos mais importantes e difíceis em psiquiatria. Verificar por exemplo a capacidade de uma pessoa avaliar a licitude dos seus actos e de se autodeterminar (de actuar) de acordo com esta avaliação… na avaliação da inimputabilidade é muito desafiante e requer um conhecimento profundo em todas as áreas da psiquiatria. Ou seja, para mim devia ser uma área leccionada e praticada por psiquiatras com grande experiência em áreas de psicopatologia, filosofia e psiquiatria, história da psiquiatria.

Viktor Frankl escreveu que «cada época tem a sua neurose — e cada época necessita da sua própria psicoterapia.» Na sua opinião, o que angustia mais o homem nos tempos de hoje?
Este é um tema largamente debatido no livro Pensar. Viver. Sentir. Neste livro tentamos integrar a saúde e a doença mental com os problemas do mundo. A doença mental não surge isolada da sociedade… surge em contínua interacção com esta. Os psiquiatras devem por isso ter noções não só de neurociências mas de sociologia, história e filosofia.
De facto, o ser humano hoje em dia está assoberbado com uma quantidade incessante de informação que lhe chega por todas as vias, sobretudo patrocinado pela internet, o milagre do século XX-XXI. A globalização da informação veio trazer inúmeras vantagens. Temos acesso ao que se passa do outro lado do mundo a toda a hora. Mas por outro lado a quantidade de informação boa e má a que nos habituamos a aceder, permanentemente, através do telemóvel e do computador, activa o nosso cérebro a um ritmo que não é o ritmo do ser humano. Isto provoca ansiedade, cansaço, incapacidade para seleccionar a informação que realmente é relevante para nós e mais importante que tudo, impede-nos de sermos nós a gerir o nosso tempo. O homem sente-se vazio mas correndo a uma velocidade alucinante numa direcção que não é ele que domina e que nem o deixa parar para reflectir sobre aquilo que é realmente importante para si....
A ansiedade pode realmente vir a ser a grande epidemia do seculo XXI. Em Portugal estima-se que cerca de 16.5% das pessoas sofram de uma perturbação de ansiedade.
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Outros livros do autor: 
A Ansiedade nos Nossos Dias (2018) e Guia Prático para Vencer a Ansiedade (2020)

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Lê também, aqui, a entrevista que o psiquiatra brasileiro Augusto Cury concedeu a este blogue.

1 comentário:

ysanne disse...

Adorei este artigo pois sou acompanhada por um psiquiatra, porque tenho ataques de pânico e noto ainda muita falta de informação da parte de certas pessoas.